A espécie humana, desde o seu aparecimento no planeta, há cerca de cem mil anos, vem apresentando uma característica peculiar, em termos de exercício da sexualidade. Ao contrário do observado em outras espécies, a nossa exibe sutis diferenças anatômicas e funcionais que permitem às fêmeas serem receptivas às manifestações da sexualidade de seus parceiros, independentemente de estarem ou não em seus períodos férteis. Assim, ao lado de um componente orgânico básico, nossa sexualidade passou a ser fortemente condicionada por fatores psicológicos e sociais.
Somos assim, em toda a natureza, privilegiados por poder praticar prazerosamente o coito - e outras formas de exercícios da sexualidade - durante a gestação, após o período funcional reprodutivo (menopausa) e ainda quando (ou talvez até principalmente quando) a gestação não é desejada. Inventamos, portanto, outras "indicações" que não a reprodução para o exercício da sexualidade. Podemos praticá-lo (e o praticamos) por mero prazer ("sexo-prazer"), por amor ("sexo-amor") e por muitas outras motivações, aí incluindo-se a econômica.
Evidentemente, estando aberta a possibilidade de prática sexual prazerosa com qualquer pessoa e em qualquer local, surgiu desde a constituição dos primeiros "bandos" de hominídeos a necessidade de uma certa organização social, tendo em vista que houve necessidade de que se traçassem normas sobre quando e com quem essa sexualidade poderia ser exercida. Essa regulamentação se complexificou na medida em que foi se desenvolvendo uma "cultura", base da civilização. Dentro dessa cada vez mais complexa organização social, inevitavelmente foram surgindo regras para normatizar os diversos aspectos das atividades dos indivíduos, inclusive a sexual. Assim, mesmo quando possuído por intenso desejo sexual, o macho passou a só poder praticar o coito com uma fêmea dentro de certas condições, também impostas quando a situação era a inversa. Criou-se então todo um ritual de complexo simbolismo - que culminou do casamento, tal como o conhecemos - para normatizar o que é socialmente aceitável em matéria de exercício da sexualidade.
Do ponto de vista psicológico, na medida em que foi surgindo nos hominídeos a consciência do "eu", foram-se também elaborando parâmetros para auto-avaliação de desempenho, consciência de aceitação, sensação de adequação ao meio etc. Esses aspectos intrapsíquicos, tão valorizados que passaram a ser medida da própria existência ("penso, logo existo"), possuem grande papel no exercício da sexualidade, ao lado do componente social.
A sexualidade, entendida a partir de um enfoque amplo e abrangente, manifesta-se em todas as fases da vida de um ser humano e, ao contrário da conceituação vulgar, tem na genitalidade apenas um de seus aspectos, talvez nem mesmo o mais importante. Dentro de um contexto mais amplo, pode-se considerar que a influência da sexualidade permeia todas as manifestações humanas, do nascimento até a morte.
No entanto, durante a maior parte da história da humanidade essa influência foi negada, em especial entre os povos ligados às tradições judaicas e cristãs, atualmente representadas pela assim denominada "civilização cristã ocidental". As civilizações denominadas "orientais", por terem relativamente pouca visível influência sobre a nossa, ao menos até recentemente, não serão incluídas no presente texto, tendo em vista a necessidade de concisão.
Segundo Gênesis (1:27), "E criou Deus o Homem à sua imagem: fê-lo à imagem de Deus, e criou-os macho e fêmea". Aliás, em hebraico, os nomes que o Homem e a Mulher receberam foi "Ish e "Ishsha", talvez até para lembrar a semelhança entre ambos.
O curioso desse evento é que na tradição bíblica mais antiga que conhecemos, a tradição javista (aproximadamente 950 a.C.), não existe nenhum desprezo pela natureza sexual do homem. De fato, a leitura do "Gênesis" permite a interpretação de estar a sexualidade ali exposta apenas como mais um aspecto da vida, nem inferiorizado nem enaltecido em relação a qualquer outro. Assim, a exegese mais isenta apresenta como motivação divina para a criação da mulher apenas a atenuação da angústia da solidão vital do homem. A interpretação patrística da Bíblia, porém, que há tantos séculos vem influenciando nossa cultura, considera o sexo como um mal necessário, admissível apenas por ser indispensável à reprodução da espécie. Inaugurou-se, partir dessa interpretação, a confusão entre sexualidade e genitalidade, que perdura até nossos dias.
Para bem compreendermos a motivação social para a enorme repressão às manifestações prazerosas da sexualidade feita pela cultura judaica, é importante que nos reportemos às suas origens. Na época em que essas tradições foram estabelecidas, Israel era uma pequena tribo, igual a dezenas de outras, que ora vagavam pelo Oriente Médio, ora se estaleciam em determinados locais.Os judeus tinham, necessariamente, que incentivar a diferenciação entre seu povo e os outros, para poder estabelecer a consciência de uma "nacionalidade". Os outros povos da época e da região (cananeus, filisteus etc.) eram todos politeístas, com uma enorme multi-plicidade de deuses e deusas, todos eles altamente sexuados. Segundo a mitologia da maioria desses povos, o universo teria se originado de uma união (leia-se "coito") entre dois deuses, quase sempre irmãos.
Assim, para se diferenciar desses outros povos, os israelitas cultuam um deus assexuado (Javé), que cria o Universo a partir do nada, isto é, sem parceria, de maneira assexuada. Nota-se assim que para os israelitas a sexualidade perde os atributos divinos, deixando de haver uma "sexualidade sagrada", cultivada nos templos, como era comum entre os seguidores das outras religiões.
Além disso, pelas suas características expansionistas e guerreiras, Israel necessitava de muitos, muitos soldados. Como a mortalidade infantil era muito alta, a solução encontrada foi estimular o aumento da natalidade, devendo todos praticarem apenas o "sexo-reprodução". O "sexo-prazer", assim, passou a ser malvisto e a esterilidade considerada a maior das maldições. A anticon-cepção, em qualquer modalidade, passou a ser uma ofensa aos conterrâneos e a religião, sendo Onã (Gênesis, 38:8) fulminado por Javé por haver usado de subterfúgios anticonceptivos. A masturbação e a homossexualidade masculina eram abominações terríveis, enquanto a homossexualidade feminina era um crime tão horrível que nem sequer era cogitado.
Seguindo essa linha de pensamento, os pensadores judeus (seguidos mais tarde pelos cristãos) deram até mesmo uma nova interpretação às causas da queda do Homem. Uma leitura um pouco mais atenta do Velho Testamento nos permite observar que Adão e Eva foram expulsos do Paraíso apenas por não terem obedecido às ordens de Jeová, que os proibiu de comer dos frutos da Árvore da Ciência do Bem e do Mal (Gênesis, 2:17). Fica explícito, no texto, que a expulsão do paraíso se deveu à desobediência em si, e não ao fato de terem eles tido relações sexuais (Gênesis, 3:22). Registra-se, no mesmo versículo, o receio divino de que o Homem, tendo já condições de conhecer o Bem e o Mal, por ter provado do fruto da Árvore, continuasse a ser desobediente e provasse também dos frutos da Árvore da Vida, passando assim a ser também imortal. No claro intuito de reprimir as manifestações da sexualidade, no entanto, o texto foi reinterpretado, sendo apresentada como causa da queda a experiência sexual que Adão e Eva tiveram.
A sexualidade foi, seguindo esse caminho, deixando de ser fonte de prazer, passando a ser apenas mais uma das "obrigações" que os bons patriotas judeus deveriam cultivar. Esse comportamento anti-sexual foi cristalizado em todo um ritual de purificação das mulheres durante e após as menstruações. Consideradas "impuras" nesses períodos, deviam - as ortodoxas ainda devem - se submeter a todo um processo de purificação que, por durar vários dias, termina próximo ao período ovulatório seguinte, levando como consequência a um aumento das taxas de reprodução.
Não que os judeus não conhecessem o prazer advindo da sexualidade; conheciam-no sim e, embora não fosse considerado louvável, era ao menos socialmente tolerável... para os homens! Basta ler no Velho Testamento o Cântico dos Cânticos para que se tenha uma boa visão do erotismo que permeava a vida e os pensamentos de, ao menos, alguns privilegiados como o Rei Salomão. No geral, entretanto, podemos dizer que a cultura judaica é sexualmente repressora, machista e sexista.
Com o surgir do cristianismo as coisas se mantiveram nos mesmos moldes, ou talvez até piores, sob certos aspectos. Os cristãos dos primeiros séculos, como os primitivos israelitas, eram minoritários e tinham que se esforçar para diferenciar-se das outras religiões vigentes no Império Romano. Mesmo os sacerdotes cristãos, nos primeiros séculos, casavam-se regularmente e mantinham vida sexual ativa. Embora a obrigatoriedade do celibato sacerdotal fosse discutida desde o Concílio de Ancisa, em 314 d.C. (e essa discussão foi cheia de marchas e contramarchas que duraram vários séculos), foi só a partir de determinação expressa do Papa Gregório VII, em 1075, que o matrimônio passou a ser proibido para os sacerdotes católicos.
Assim, repetiram os cristãos o mesmo modelo repres-sor da sexualidade herdado dos judeus. No entanto, embora as igrejas cristãs (especialmente a Católica) sejam no geral bastante repressoras em termos de sexualidade, vale a pena lembrar que não existe registro, em todo o Novo Testamento, de qualquer ato ou palavra repressora que possa ser atribuída ao próprio Jesus. Pelo contrário, em alguns episódios (o referente à mulher adúltera, por exemplo, em João, 8:7), suas palavras demonstram uma tolerância e uma compreensão das fraquezas e dos desejos humanos absolutamente incompatível com a ferocidade com que seus seguidores reprimiram (e alguns ainda reprimem) as manifestações da sexualidade. Aliás, cite-se como um registro curioso que Aristóteles, o grande Aristóteles tão querido de alguns dos teóricos medievais da Igreja Católica, expressava sérias dúvidas sobre se a mulher teria ou não uma alma.
Considerando tudo isso, podemos dizer que pela vertente cultural judaica cristã herdamos uma visão extremamente repressora da sexualidade, mais acentuadamente marcada, como sempre, para o contingente feminino.
Nossa outra vertente, a greco-romana, embora por motivos diferentes também exerceu repressão sobre a sexualidade, ao menos sobre a feminina. Os homens gregos tinham a busca do prazer como ideal, sendo permitidas e até incentivadas quaisquer experiências hedonistas. Esse prazer, no entanto, era buscado fora de casa, entre as prostitutas (hetairas dicterides e pornois), ou em práticas homossexuais ("amor-paixão"), com efe-bos. As esposas eram quase que prisioneiras de uma dependência doméstica - gineceu, sendo mantidas como embrutecidas e emburrecidas máquinas de administrar casas e fazer filhos, sendo-lhes negado qualquer direito ou qualquer prazer. A cultura grega foi, assim, machista, hedonista e, do ponto de vista da mulher, repressora.
Os romanos, ao menos em certos períodos e para certas classes sociais, foram um pouco mais liberais. Vista como um todo, entretanto, a cultura romana foi bastante machista, sendo o prazer permitido apenas aos homens e a algumas privilegiadas mulheres.
Assim, como se vê, nossas raízes culturais estão impregnadas de uma visão distorcida da sexualidade, onde a prática da repressão é o comportamento usual, ao menos para as mulheres, quando não também para os homens. Em outras palavras, em nossa cultura, ao menos até bem recentemente, o machismo reinou impunemente.
Embora nossa civilização tenha, nos últimos séculos, vivido alguns momentos de maior liberalidade, essa visão distorcida da sexualidade foi a tônica principal, mantida durante todos esses séculos em que ela vem se cristalizando. Diga-se de passagem que, mesmo em seus momentos de mais liberdade, o exercício pleno da sexualidade sempre foi apanágio das pessoas adultas, que vêem com maus olhos a sexualidade dos adolescentes, ridicularizam as manifestações sexuais da terceira idade e negam - ao menos negaram até a poucas décadas - a sexualidade na infância. De fato, foi necessário que surgisse um Freud, no apagar das luzes do século XIX, para que "descobríssemos" que a sexualidade existe e se manifesta, ainda que de formas diferentes, durante toda a duração da vida humana.
O machismo, como instrumento do patriarcalismo que herdamos de nossos antecessores culturais, tem pelo menos seis mil anos de história registrada, e possivelmente muitos milênios a mais. Ainda que os teóricos da árqueo-antropologia não cheguem a um consenso, é praticamente certo que o machismo tenha surgido a partir da época em que o homem reconheceu seu papel no processo da reprodução. Até esse momento, julgava-se, a mulher era capaz de fazer filhos por sua própria conta, sem o concurso do macho e, ainda segundo a maioria dos estudiosos desse tema, os primeiros Deuses eram de sexo feminino.
Usado inicialmente como instrumento preservador do poder masculino, o machismo deu tão certo, como recurso, que até hoje ainda não conseguimos nos livrar adequadamente de suas consequências.
No decorrer de todos os séculos de história da humanidade, apenas em breves períodos houve uma visão mais liberal sobre o exercício da sexualidade. Tivemos, ainda que restritos apenas a alguns segmentos da sociedade, períodos de liberação e visão mais positiva da sexualidade em curtos períodos históricos. Nunca, no entanto, o estudo do exercício da sexualidade humana foi considerado importante e, apenas nas últimas décadas, vem sendo visto como um tema merecedor de estudos por um ramo da ciência.
Devemos muito, nesse sentido, a homens como Henry Havelock Hellis (1859-1939) e Sigmund Freud (1856-1939), que nos deram o embasamento científico para o estudo das manifestações da sexualidade. Hellis, na Inglaterra, ainda como um ranço do puritanismo vitoriano, sofreu severa censura e mesmo coação legal, tendo sido proibido de publicar seus trabalhos. Freud, em Viena, teve suas idéias fortemente rejeitadas pela comunidade médica e científica de então.
Quando alguém for escrever uma História mais pormenorizada do estudo da sexualidade humana, não poderá deixar de citar uma série de precursores e pioneiros, todos eles importantes para que obtivéssemos os conhecimentos atuais, tais como Van de Velde, Dickin-son, Gold, Lief, Calderone, Kinsey, Kegel, Mas-ters, Kaplan e Lo Picollo, entre outros.
Desses, talvez a figura mais citada e menos conhecida seja a de Alfred C. Kinsey, nascido em 1894 e formado em Engenharia Mecânica (1914) e em Biologia (1920). Reconhecido como cientista (com doutorado em ento-mologia) e acatado professor universitário, pelas características de conservadorismo e respeitabilidade, foi chamado em 1937, pela Universidade de Indiana, para criar e lecionar um novo curso, sobre sexualidade e casamento. Interessando-se cada vez mais por um assunto que em princípio parecia estar tão fora de sua área de conhecimento, Kinsey iniciou uma série de pesquisas sobre o comportamento sexual dos norte-americanos, que culminou com a publicação de obra absolutamente revolucionária para a época, o livro "Sexual Behavior in the Human Male", seguido alguns anos depois pelo "Sexual Behavior in the Human Female", que revolucionaram a até então aparentemente conservadora sociedade norte-americana. Kinsey morreu aos 62 anos, em 1956.
Ainda que seja este apenas um despretencioso e breve apanhado sobre a história do conhecimento da sexualidade humana, não pode nele faltar ao menos a menção de alguns dos mais importantes nomes, sem cuja contribuição nossos conhecimentos estariam ainda mais defasados. Assim, parece-nos importante que se citem, pela relevância, os nomes de Kegel e de Masters.
Arnole H. Kegel, ginecologista, preocupou-se com a elevada frequência de queixas de insatisfações sexuais femininas, desenvolvendo os exercícios para a musculatura perivaginal, até hoje utilizados e conhecidos como "exercícios de Kegel".
William H. Masters, médico ginecologista, e Virgínia E. Johnson, psicóloga, formam o mais conhecido casal de terapeutas na área da sexualidade. Baseando-se no estudo de voluntários e profissionais contratados, desenvolveram a partir da década de 50 uma série de pesquisas sobre a fisiologia da resposta sexual humana, que serviu de partida para uma proposta de tratamento das disfunções sexuais. As pesquisas do casal se tornaram um referencial básico indispensável para quem quer dedicar-se ao tema e, ainda que suas colocações iniciais tenham sido revistas por Kaplan, Lo Picollo e outros, permanecem até nossos dias como um monumento à capacidade humana de inovação e descoberta de novos ângulos de visão.
Graças aos estudos, quase sempre encarados de início com incompreensão e falta de créditos, embora reconheçamos que existe ainda muito a ser estudado, já temos ao menos esboçadas nos dias atuais as linhas mestras do conhecimento sobre as tão ricas e multifacetadas expressões da sexualidade humana.
O QUE É NORMAL EM SEXUALIDADE
Como já foi dito e repetido incontáveis vezes, a sexualidade humana pode manifestar-se - e frequentemente se manifesta - de maneira extremamente polimorfa. De fato, mesmo nas mais adversas condições e nas mais difíceis situações, o impulso sexual, um dos motores básicos da conduta humana se apresenta, ora de maneira explícita, outras vezes veladamente.
O adjetivo "normal" pode ser compreendido de várias e diferentes maneiras. Os dicionários (o Aurélio, por exemplo), definem-no como sendo o que é feito segundo a norma, o habitual, o natural. Em matemática, "normal" é a reta perpendicular à uma superfície ou linha. Em uso comum, "normal" é usado com o sentido de algo que não causa espanto, do que é usual, do que segue os mesmos padrões que a maioria das pessoas segue.
Quando se fala em atos ou pensamentos "normais", em sexualidade, comumente se associa a imagem de algo que a maioria das pessoas faz e pensa, ou ainda atos que não sejam danosos a saúde de quem os pratica ou de quem os sofre. Dessa maneira a masturbação, por exemplo, seria normal na fase de adolescência e juventude, desde que praticada com moderação. Quando praticada com frequência "exagerada" por adolescentes (embora ninguém defina bem o que é esse exagero) ou por adultos e idosos, entretanto, é vista como algo de doentio, pois existe uma noção - aliás falsa - de que essa prática seja física e mentalmente perniciosa.
Quanto ao sexo praticado a dois, vejamos o que se considera normal em termos de constituição de casais. Assim, seria "normal" o casal heterossexual, em que o homem é um pouco mais velho e mais alto do que a mulher, sendo ambos aproximadamente do mesmo extrato socioeconômico. Tolera-se, ainda que isso seja por vezes alvo de pilhérias, algumas variantes. Nesse sentido, um homem até cerca de dez anos mais velho que a mulher é ainda considerado normal; casais em que a idade do homem excede em 20 ou mais anos a da mulher são vistos com certa curiosidade, sendo sempre levantada a suspeita de que existem interesses pecuniários em jogo, mas ainda assim não são vistos como pares "anormais". Houve épocas e culturas, porém, em que as famílias julgavam perfeitamente normal e até mesmo desejável que suas filhas se casassem com homens bem mais velhos.
É, no entanto, absolutamente inadmissível, do ponto de vista social, a constituição de casais em que a mulher tenha grande diferença de idade sobre seu parceiro.
O mesmo se diga para casamentos inter-raciais. Há cem anos seria visto como algo completamente fora da norma, por exemplo, a união entre um homem branco com parceira mulata ou negra, que hoje vem sendo encarados com mais naturalidade. Embora tenham havido historicamente inúmeros exemplos dessas uniões, sempre foram elas levadas na clandestinidade e entendidas como algo de errado.
Mesmo em considerando-se que em outros períodos históricos isso não tenha sido assim, podemos dizer que em nossa cultura cristã ocidental até bem poucos anos o homoerotismo foi visto como uma perversão e até mesmo como uma doença. Ainda que entre os círculos mais cultos tal visão não mais seja vigente, não se pode negar que a sociedade como um todo mesmo hoje vê nele muito de sujo, de indigno ou, em outras palavras, "anormal".
O inverso também é verdadeiro, pois comportamentos que hoje consideramos desvios patológicos do exercício da sexualidade já foram vistos como absolutamente "normais". É o caso de práticas homoeróticas envolvendo adultos e crianças ou adolescentes (pederastia), que era aceita e considerada normal por muitos dos filósofos gregos que cultuamos.
Como se vê, o adjetivo "normal" só tem sentido dentro de uma determinada época e num bem demarcado segmento sociocultural.
O fato é que o exercício da sexualidade humana se rege num complexo contexto biopsicossocial. Nossa espécie, pela aquisição de sutis características anatômicas e fisiológicas, é a única no Reino Animal a poder exercer a sexualidade fora dos limitados padrões do sexo-reprodução. Nossa sexualidade, por isso mesmo, é influenciada fortemente, além dos fatores orgânicos, por elementos sociais e emocionais. E para cada um desses três compartimentos poderíamos traçar regras de "normalidade".
No que diz respeito ao componente orgânico do exercício da sexualidade a norma fisiológica é que, diante de certos estímulos considerados eficientes (visão, tato, olfato ou mesmo imaginação), homens e mulheres entrem num ciclo de modificações orgânicas que se con-vencionou chamar de "Ciclo de Resposta Sexual". Assim, diante desses estímulos, é "normal" que homens e mulheres se excitem, tendo ereções ou lubrificações vaginais, bem como é "normal" que atingindo um certo grau de excitação sobrevenha o orgasmo. O "anormal" aqui, isto é, o não cumprimento desse ciclo, é o que se convencionou chamar de "disfunção sexual".
Quanto aos aspectos sociais do exercício da sexualidade, o normal é aquilo que foi esboçado linhas atrás, ou seja, a prática heterossexual por casais com as características descritas. O que foge a essas normas é denominado de "desvio" (como a gerontofilia e a homossexualidade, por exemplo), "parafilia" (como o sadoma-so-quismo) ou até mesmo de "perversão" (a necrofilia, por exemplo), embora essa nomenclatura ainda não seja bem universalizada, havendo os que denominam de "desvio" o que outros chamam de "parafilia", e vice-versa.
É no componente psicológico do exercício da sexualidade, no entanto, que, em nosso ver, existem mais dificuldades em conceituar-se o normal. Na verdade, para saber se nossa sexualidade está sendo normalmente exercida, deve-se responder a indagação sobre se é ela satisfatória. Estou contente com minha sexualidade? Exerço-a prazerosamente? Estou satisfeito com a frequência e com a maneira em que a exerço? Minha parceira (ou meu parceiro), por quem tenho afeto e a quem me é importante satisfazer, está feliz com esses parâmetros? A isso, a essa satisfação com o exercício da própria sexualidade, costuma-se denominar de "adequação sexual". Quando essa adequação não existe, ou seja, quando está insatisfeito com a prática da sexualidade, denomina-se a isso de "inadequação sexual", que em última análise é o objetivo de todas as correntes de terapia sexual, quer as de fundo orgânico, quer as de fundamentação psicológica.
Em resumo, poderíamos dizer que o "normal" em sexualidade se resume ao satisfazer-se e satisfazer sexualmente seu parceiro ou sua parceira, desde que isso não traga riscos ou danos a si mesmo, ao (ou à) parceiro e ao meio social. Dentro desse princípio, o que cada pessoa ou cada par faz no âmbito restrito de suas vidas privadas só a eles próprios interessa, cabendo a nós, como indivíduos e como membros da sociedade, respeitar as naturais e enriquecedoras diferenças que fazem do ser humano algo de tão maravilhoso.
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